Sara cresceu como qualquer criança normal.
Exceto por sua curiosidade, que ultrapassava o limite daquilo que podia ser considerado saudável por alguém com o mínimo de bom senso e lhe rendeu uma série de cicatrizes que ela exibia com o orgulho de um soldado.
Logo em seus primeiros anos de vida fui forçada a concluir que o par de asas que a adornava durante o sono não seria útil para mantê-la fora de perigo.
Meu anjo tinha pouco menos de um aninho quando a deixei dormindo em minha cama, cercada por travesseiros altos e fofos o suficiente para, conforme o que eu acreditava, representar-lhe uma barreira de montes instransponíveis.
Eu estava na cozinha, a poucos metros de distância do quarto (ou de qualquer outra peça da kitinete), quando fui surpreendida por um barulho que, embora pudesse passar despercebido por um ouvido menos apurado do que o de uma mãe, para mim soou como um estrondo ensurdecedor. Em questão de um segundo, antes mesmo que Sara pudesse reagir ao ocorrido, eu já havia detectado a fonte do barulho e, mesmo com as mãos ensaboadas, me tele transportava até o quarto.
A cama vazia comprovava minha suspeita e, ao ver aquele montinho de roupa imóvel no chão, meu coração foi atravessado, pela primeira vez, por uma estaca, produzindo uma dor que só pode ser compreendida por aquelas mulheres que já passaram pela experiência da maternidade.
Corri para juntar minha filha do chão.
Ao ver minha expressão de desastre, Sara, que até então permanecia muda, sem reação, construiu lentamente um beicinho que, de repente, se transformou em um choro desesperado.
Os travesseiros, misteriosamente, permaneciam no mesmo lugar.
Depois de intermináveis segundos Sara parou de chorar, deixando ainda alguns soluços escaparem como demonstração de pesar.
Mas, a despeito de sua aparente superação do ocorrido, arrumei rapidamente sua bolsa com os itens imprescindíveis e me dirigi com ela ao hospital, onde o médico de plantão, sem parecer ter compreendido a gravidade da situação, testou seus reflexos, fez algumas perguntas e nos liberou para voltar para casa, apenas com a determinação de que evitasse que ela dormisse pelas próximas horas.
Segui fielmente a orientação do jovem médico (que eu imaginava que, pela falta de preocupação, não devia ter filhos). Mantive Sara acordada até o anoitecer. E eu, claro, passei toda a madrugada desperta, velando seu sono.

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Ao entrar para a escola as coisas não foram diferentes.
As professoras constantemente me informavam, num misto de admiração e receio que Sara apresentava um desejo por saber que ultrapassava a média de sua idade, transitando, por vezes, entre a indiscrição e a bisbilhotice.
Nada lhe passava despercebido. Nada lhe fugia à observação e nada ela permitia que lhe escapasse ao entendimento.
Quando não recebia dos livros ou das pessoas ao redor uma explicação que lhe convencesse, punha em ação uma de suas principais características: a criatividade. E logo formulava alguma teoria mirabolante que, ao revestir com seu vasto arsenal de palavras (conhecidas ou inventadas) tornava-se irresistível mesmo aos ouvidos mais incrédulos e esquecidos das infinitas possibilidades do universo infantil.
Curiosamente, tal espírito investigativo não lhe proporcionava interesse por passatempos femininos.
Mesmo que eu e as tias da escola tentássemos a toda hora lhe incutir simpatia por bonecas ou joguinhos de chá, Sara se tornava visivelmente entediada quando proibida de acompanhar os meninos em suas aventuras.
Eu estaria resumindo bastante sua personalidade se lhes dissesse que ela parecia um menino.
Longe disso.
Minha filha carregava fortes traços femininos que se manifestaram desde seus primeiros passos.
Era sedutora, ainda que despida de vaidade.
Profundamente envolvente, cativante.
Se não dava atenção aos bebês com que eu lhe presenteava, despendia um cuidado transbordante aos insetos que, mesmo sob meus protestos, teimava em capturar e cuidar, não como filhos, mas como companheiros dignos de respeito e reconhecimento.
As poucas vezes que usou vestido ocorreram quando ainda não continha força (física e argumentativa) suficiente para se livrar do traje que lhe tolhia os movimentos e, portanto, se apresentava como uma ameaça à liberdade.
Logo fui vencida por sua ponderação e desisti de realizar o sonho de trazer sempre a mão uma delicada bonequinha de laços e tranças, apresentada aos demais, com muito orgulho, como minha filha.
Apesar das calças e da completa ausência da cor rosa, o orgulho permaneceu.
Sara era muito esperta. Ao ponto de sustentar uma conversa com pessoas mais velhas e surpreendê-las com seu raciocínio lógico e perspicaz.
Ao ser apresentada a uma nova situação, não se contentava com o óbvio e sempre buscava uma nova perspectiva. Ansiava pelo que ainda não conhecia, portanto não admitia ouvir uma história pela segunda vez ou assistir novamente a um filme.
Tudo precisava ser inédito.
Isso tornava minha tarefa de ser mãe ainda mais desgastante. E, ao mesmo tempo, profundamente compensadora.
Cada dia com Sara representava uma maratona por novas experiências.
Todos os dias ao seu lado eram únicos.


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2 comentários:

    Viviane Gaidzinski disse...

    Instinto materno não ha nada igual..
    eu tenho me surpriendido cada dia mais com q leio pois tudo tem um pouquinho haver com nosso dia a dia..

  1. ... on 20 de abril de 2009 às 08:53  
  2. Anônimo disse...

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